Pensados, ditos e escritos.

sexta-feira, junho 20, 2014

O homem sem qualidades





Era uma vez um homem que não sabia fazer nada.
Ou melhor, deixem-me por as coisas de forma verdadeira.
Ele fazia muitas coisas, e coisas muito diferentes. Tanto resolvia um problema de matemática, como arranjava uma máquina de lavar ou era capaz de escrever um belo textículo acerca de algum assunto firmemente etéreo. Agora, algo que lhe desse futuro não tinha. Não sabia levar nada até ao fim, não era bom, nem digno de nota, em coisa alguma e ficava paralisado com desafios e dificuldades nas tarefas que se propunha.
Isso roía-o por dentro, fazia-o temer e tremer.
Tremer com o vazio à sua frente. Ele sabe que há coisas piores, coisas que são mesmo o fim d'agente, que nos marcam um prazo para existir. Mas o que lhe treme é poder existir sem rumo. 
Por outro lado ele teme que esta sua incapacidade disfarçada lhe roube aqueles a quem ama. Porque, por muito que se goste, se o outro acabar a ser um inútil, a paciência rebenta com o gostar e o inútil vira sem-abrigo e sem-amor. Sem-amor ainda é pior, a chuva molha cá dentro, no coração, e o coração ensopado vira pedra fria e dura.
E este homem tinha uma história, tinha gente à sua volta, tinha mãos que se lhe estendiam mas que ele, por preguiça ou nabice, nunca sabia agarrar. Parecia que precisava de fazer mal a si próprio para se castigar por ter feito mal a si próprio.
Fazer isto numa ilha deserta não chateia ninguém, a não ser o próprio que, ele sim, fica bastante aborrecido com os maus tratos que se infringe.
Já se for longe dessa ilha, com gente à volta, há sempre quem apanhe por tabela apenas por que gostava do auto-maltratado. E aí, esse mesmo maltrata-se ainda mais, por ter feito mal aos seus, e afasta-os, magoando-os, sob o pretexto de lhes fazer mal e não ser digno deles. Ele nem percebia como é possível ser objecto do afecto de alguém.
É um pouco o que Jesus Cristo veio quebrar, quando estende a Mão a Maria Madalena, à mulher que lhe lava os pés com os seus cabelos ou mesmo a Saulo. Mas sem a parte divina, fazer isto tudo (do lado do que é amparado) é muito menos fácil, e sermos só gente deixa-nos mais desamparados que um mosquito no meio de um furacão.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Cresceu (ou Less Means More)


You're me?? Look at you!
Fotografia ©Afonso Moreira Pires


De repente, mas assim sem aviso prévio (pelo menos não tinha dado por nada) era adulto.
Ou melhor, era grande, em estatura e em idade, que entre grande e adulto há muita coisa para fermentar.
Mas foi um dia frio, frio por ser inverno, que o acordou com a novidade de que era grande, e a caminho de adulto.
Crescido não.
Os crescidos esquecem-se sempre das coisas simples, verdadeiras e que fazem sonhar, em casa de manhã. E quando dão por si passou toda uma vida sem chegar a lado nenhum além do fim do mês para receber o salário e continuar a rebolar pelo mês seguinte, rumo à reforma.
Nem reparam na mulher, nos filhos, no sol ou na chuva. Isso são só factos do mundo lá de fora com que eles têm que aprender a lidar para não arruinarem a sua crescidice.

Mas foi uma coisa que lhe aconteceu.
Claro que, se psicologarmos a questão, vamos dar com imensos actos, decisões e escolhas que o levaram a tornar-se adulto. Mas o que mais o abismou foi o facto de ser algo que simplesmente chegou.
Da mesma forma que uma notícia inesperada, ou uma rajada de vento chegam sem as podermos antecipar, aqui também não houve aviso, pompa ou circunstância.
Talvez tivesse imaginado uma festa, ou um arco triunfal sob o qual passaria, um qualquer rito que marcasse o facto de ser, daí em diante, um Adulto de pleno dever e direito (achavam que os deveres iam ficar de fora? Nem pensar!) e o anunciasse à sociedade.

E sabem porque reparou?
Foi o miúdo, que anda sempre a espreitar debaixo das pedras à procura de bichos, que o arrasta tantas vezes para as partidas que engendra, que lhe disse trouxe, na sua impulsividade, um amigo para ficar lá em casa.
Este amigo era uma versão mais velha do miúdo, igualmente divertido, mas com uma coisa que lhe faltava. Trazia uma mochila cheia de responsabilidade.
Uma responsabilidade a sério, com compromisso e tudo.
Nada daquelas tretas da culpa, mas sim um cuidar do que o rodeia.

E ele olhou ao espelho e viu que era Adulto, por causa do seu miúdo interior, que lhe trouxera a soltura necessária para que se prendesse ao essencial.

É aqui que os Adultos são diferentes dos Crescidos.
Para um Crescido é tudo, mas tudo, algo essencial. E o que é essencial prende-nos, amarra-nos a uma estaca no chão.
Agora imaginem:
Se estivermos amarrados a muitos essenciais – ter muitas coisas da moda, ser importante, ser bem visto, ter o nosso mundinho moldado a nós – é como se estivéssemos presos a várias estacas. E quando se está bem preso, para nos movermos – porque para chegar a algum lado é preciso movermo-nos – das duas uma: ou largamos uma parte de nós, que fica agarrada à corda; ou rompemos a corda e rejeitamos um dos “essenciais”.

É como um cão preso com uma corrente pequena, que tem a comida no limite da corrente, e não consegue lá chegar.
Mas se estivermos amarrados ao Essencial, ao que É a sério, esse não está no chão, não nos prende, pode ir connosco e ajudar-nos a manter o referencial centrado. Pode até, por ser absoluto, ajudar-nos a ir mais longe, mais dentro do que é sermos gente, gente Adulta, não Crescida.

E foi essa responsabilidade que o seu novo inquilino lhe trouxe. Em suma, tinha todas as ferramentas e era, agora sim, um verdadeiro Adulto.

Mas como Adulto (ao contrário do Crescido), o miúdo continuou consigo, e de vez em quando fazia das suas. Ainda era ele a sua casa.
Havia dias em que, fascinado com um qualquer bicharoco que encontrara debaixo de uma pedra, aparecia sem aviso, de repente.


JG
Bruxelas aos 06 de Fevereiro de 2013

terça-feira, janeiro 31, 2012

Obrigado

Que frio corre este princípio de noite, por essa Lisboa fora.
Só o desalento e a chuva, miudinha mas pesada, ficaram por perto.
Ninguém mais quis ser companheiro de tamanha desgraça.
Só, abateu-se por essas ruas fora, sem mais a quem aquecer, sem mais quem lhe aquecer o coração.
Voltou-se e, dando um só passo, descompassado, trôpego e em falso, encheu-se de um vazio imenso enquanto mergulhava no frio, puxado pela escuridão da noite.
Já não era senão sombra, alma penada vazia de sentido, perdida no seu próprio labirinto, condenado a vaguear até à luz da aurora, uma aurora sem hora marcada. Teria de ser ele a encontrá-la, a trazê-la dentro de si, alimentá-la e deixá-la florescer, para depois lhe seguir os passos.
Pesado e agora só, seguiu sem saber bem para onde, apenas com Deus no horizonte. É firme a esperança que n’Ele tem, que o sustenta e dá vigor para enfrentar o amanhã!
Todo o caminho tem que ser percorrido, toda a vida refeita e todo, mas todo o ser, tem que se encontrar, consigo, com a Paz, e com o Criador que o guia, e lhe procura a Felicidade.

JG
Algés, aos 31 de Janeiro de 2012

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terça-feira, janeiro 25, 2011

Acordar ontem

Ontem acordei agudo e glacial, como a manhã de inverno que era.
Não gosto, recomeçando, como se ontem fora hoje, para que o escrito tenha mais propriedade sobre o sentimento sentido.
Hoje acordei agudo e glacial, sombrio como uma manhã de Inverno. É fina e aguçada, qual adaga num pulmão desprevenido, cheia de borrões cinza, com forma de gente a querer soltar-se desse lodo invernal. Há dias desses, em que a tristeza nos acorda o pensamento ainda antes de o corpo ser consciente, e parece que se fica estúpido, amorfo, por tudo no Mundo ser de uma imensa dificuldade, transcendente como essa tristeza quer fazer crer que é.
Não há grande explicação, apenas que o calor dos lençóis nos suga a alegria do ser e a água quente do duche queima de frio, e um pesar que me surge, como que por todos os pesares da gente do tempo.
Vejo em mim um ser de repulsa, que recusa a intervenção alheia no seu mal estar infundado, e que se corrói por cada vez que não deixa alguém entrar, com conversa, calor e desdramatismos.
Nestas manhãs em que sou Inverno, tudo o que olho gela, tudo o que toco queima, tudo o que tento é desânimo, preguiça, desalento concentrado.
Mas isso foi, já não tem ser.
Hoje vejo-me a acordar ontem, agudo e glacial, e tudo mais, mas desordenado.
Hoje vejo-me ontem, a desinvernar-me pela ordem. O Ser sempre precisa de uma ordem, seja ela de onde vier. Às vezes vem de coisas grandes como o fim de trabalhar, ou um vício largado. Outras de coisas pequenas. Ontem foi uma dessas, foi a barba que já era a mais e cortei-a. E foi uma paciência de santa e um Ânimo Grande, de Senhora, sempre ao meu lado.
Hoje vejo-me ontem a acordar, agudo e glacial, e tudo mais e desordenado. Mas hoje vejo-me ontem, com uma saída que só vale para ontem, mas que mostra que outras haverá, nos dias em que acordar Invernal.



João Moreira Pires
@CCB - 25/01/2011



(anexos: http://www.youtube.com/watch?v=FCLpqkIDlXs
http://www.youtube.com/watch?v=lBpq0BWQP3E )

segunda-feira, outubro 15, 2007

Louco

A noite anunciava a retirada com os primeiros laivos de um clarear certo. Já na cama, mas ainda sem dormir, olho para mim do alto da minha alma, observo-me e penso.
Uma névoa aconchegante tapa os rasgões de uma vida social para que não fui talhado, pelo menos não hoje.
Os fiapos que dela restam fazem-me corar, por ficar tão aquém das expectativas que me tinham… O sucesso paira à minha volta e eu sem lhe poder dar resposta.
Sou um outsider, um alternativo, um parvo, um louco. Consciente e humanamente louco, senhor da minha loucura, dominado pelo medo e pela tão conveniente cortesia (pelo menos com ela não temos que nos esforçar) nas oportunidades dadas pela fortuna, e que esbanjo qual areia levada da mão aberta invadida por uma onda.
Nas primeiras pinceladas de madrugada vejo um ser perdido, longe de si próprio, procurando refúgio em qualquer lado, um refúgio desconhecido, que não sabe onde é, mas que busca interminavelmente, na esperança de defraudar o pressentimento que lhe diz já o ter perdido.
O Ser Humano, esse, é longe da alma, desorientado no deserto que é a terra de ninguém, raia da Razão e do Coração.
Quem me dera não sentir, nem pensar, apenas viver o dia, existi-lo, e chegar ao fim cheio, satisfeito, mas vazio no pensamento. Era tão mais fácil ser como “eles”, os que são normais…
Adormeço; inexoravelmente só nos braços da fria madrugada que me embala luminosa, na esperança de te encontrar de mão dada com a minha alma neste deserto que visito no sonho que se avizinha.
Fazes-me falta, contigo sou louco a dois…

João Moreira Pires
22/01/2006

quarta-feira, junho 20, 2007

Inócuo

Lembrei-me.
Foi ao outro dia, na rua. Sem me lembrar de nada, lembrei-me de tudo.
Acho que foste tu.
Lembrei-me de ti, é tudo.
Não foi revivalismo, foi… lembrar.
Não me lembrei de nós, mas de ti, de como era bom apareceres de vez em quando para conversar, ou nem tanto.
Disse que ia na rua? Desculpa, não foi na rua, era uma estação.
Fiquei sem saber o que reagir, não contava encontrar-te ali. Foi um sorriso abafado (não tenho lata para o abrir sem mais nada).
Depois conto-te.
Como estás? Já não se de ti há tanto tempo…
Às vezes ainda me atrevia a ter quase saudades tuas.
Mas logo vi que não faz sentido, já não há razão para ousar.
Não és tu nem sou eu, é a vida.
Foi bom tropeçar em ti.
Para a próxima avisa com mais tempo, arranja-se uma mesa de café e um par de cadeiras para compor a cena. Aproveito e peço a um croissants que acompanhe o empregado (também aparece um, para o quadro ficar completo) que nos atender.
Até podemos imitar o antigamente e ficar horas a falar sobre tudo e nada.
Isto se não tiveres que objectar (as pessoas tornam-se diferentes e costumam objectar muito - um aborrecimento…).
Mas descansa, ainda vem longe, na imaginação.
Digo-te mais uma vez, nunca é demais avivar:
E não é (mesmo) revivalismo, é (apenas e só, sem complicações daquelas que as existências inventam para se sentirem seguras) lembrar.

João Moreira Pires
20/06/2007

sexta-feira, junho 08, 2007

"Mind the gap!"



Please mind the gap when approaching.
I was just thinking how can it be?
It invades my consideration all the time, unbelievable!
You just rush through my thought scattering beauty all over the place. The thing is you never stop, so all I get are those beauty bits you leave behind. I grab my hands on them, with all my strength, wile I wait for you to come by another time. Maybe, some day, you will stop and stay for a while.
And it’s awful to know that you won’t have to fight for my attention anytime, as loneliness is my main companion.
The gap I talked about shall be called “severe lack of completeness” (sometimes I dare to imagine you would heal that wound. Nice and peaceful dreams those ones).
And more, I don’t even know what you think about me, or even if you do think about me.
In the end, can tell that I care for you, and it is so annoying not to know if and how you do the same.
The idea of us, did it ever come crossing your mind? Because it keeps crossing mine all the time…

JG - 08/06/07

quarta-feira, maio 30, 2007

Crush ou "Lovely lady, I am at your feet"

Ainda não encontrei maneira de te escrever.
Ando para aqui às turras, contigo na cabeça, mas sem descobrir palavras que te te façam jus.
O teu cabelo... Fica-te bem, especialmente quando o soltas. A forma como te cai, sobre os ombros, e, como quem não quer a coisa, convida ao toque, ao cheiro...
Respiras devagar, com calma, num movimento contínuo e cadenciado. Tenho saudades de respirar ao mesmo tempo que outros ares, de sentir encher e esvaziar nos meus braços.
Depois há a voz, doce, com as suas particularidades: tom afável, de suaves meandros enérgicos.
Queria descrever o teu abraço, mas esse ainda não o tenho. Quem sabe daqui pouco...
Até lá posso apenas imaginá-lo e desejá-lo (e tanto!). Quero sentir-te adormecer nos meus braços, suave e serena, em paz com o mundo.
Quero ousar descobrir-te, em todo o teu esplendor.
Só me falta que deixes, e serei teu.

sábado, março 10, 2007

Tardes de Quinta-feira

A gente formiga em enchente até à rua.
Porra para a música! Os índios ainda a ver se enganam quem passa.
Tocam tão bem que até com as flautas no saco a xaranga continua!
Maquilho-me com sorrisos para distribuir na passadeira às almas que param por mim (eu não parava, por este mim não).
Eles devolvem-me uns verdadeiros.
É incrível como até aqui a corrupção chega. Sorrisos amarelos de bolor por sorrisos sinceros.
Sinto-me mal com o meu papel, ou a falta dele. No fundo acho é medo de me ligar e deixar entrar.
Abro os olhos, tanto que choro com as alfinetadas do vento frio, para te encontrar.
E tu nada. Indiferente.
Desapontas-me em cada carro onde não passas, em cada aceno que escondo, porque não estás lá.
Quem és tu?
A Lua vai alta, na cidade que flui vazia, a caminho de casa.
Entrei e fechei bem a porta, não fosse o vácuo seguir-me cá para dentro.

Carta a _______ (preencha os espaços)

Sabes, meu amor, aqueles dias em que queremos saltar mas não podemos? Estremecemos e controlamos o impulso no último segundo, por causa do risco.
A coragem não é desatada por razões frias que enlouquecem.
E é mesmo daquilo que estamos a precisar, e é mesmo aquilo que queremos. Mas não pode.
Há a minha vontade, mas não podemos.
E pronto. Temos que calar o salto, amarrar o grito que ia ser e deixar cá fora um eco de expectativas frustradas a vibrar o ar num silêncio ensurdecedor.
E tu aí tão perto. Mas não. Golpeaste-me sem saber e eu calado, sem mostrar. E tu ali, e eu aqui, e no meio uma parede de ar de aço, que não me deixa passar para aí, nem deixa passar sem ti.
Ensandece-me cada vez que me passeias clandestinamente pelo pensamento. Sou o guarda, atormentado por não poder querer deixar.
Já não posso de não poder querer(-te) tanto…
Continuo a estremecer, a calar, a agarrar uma pilha de nada, para iludir a tua presença ausente.
Talvez o medo me silencie, talvez a razão, não sei.
Sei que ter-te tão perto me seca e dá vida, num paradoxo inexorável.
Caio para cima, em torvelinho, por esse poço horizontal, à espera de um tecto onde aterre, mais ou menos incólume.Por favor, não vás, a tua inspiração consola-me o grito não sido.

Abraço

Era Madrugada.
A luz amarelada dos candeeiros da rua esgueirava-se pelos espaços entre os cortinados, coada pela sua transparência protectora.
Levantei-me, devagarinho, com todo o cuidado do mundo para não fazer barulho nem fazer tremer a cama.
Os lençóis descansavam de uma noite mutuamente amada, e envolviam o teu corpo como suaves ondas numa praia.
Tu dormes, calma, descansada, bela, no teu pijama improvisado. A camisola amarela, enorme, tem-te lá dentro, e o desenho branco na frente sobe e desce sobre ti, ao ritmo cadenciado do doce ar que respiras.
O cabelo solto sobre a cara torna-te mística, deitada numa cama moldada a nós que tentas agora ocupar.
Tive que sair mais cedo, antes de ser tempo de ir.. Ambos nos sentimos injustiçados por esta imposição.. queremos mais, muito mais...
Preparei-me e arranjei tudo o que precisava para levar.
Depois, parei e olhei para ti.
És linda!
Nesse momento lembrei-me de quando nos conhecemos, e da maneira alucinada e de rompante como entraste na minha vida, me cativaste, me abriste as portas ao Mundo e depois me arrancaste de mim para fora.
És tudo, tudo o que realmente importa.
Baixo-me até ao teu sono repousante e dou-te um beijo de despedida.
Semi-acordada passas-me o braço pelos ombros, puxas-me para ti e murmuras um”tem cuidado.. Boa viagem, até amanha” enrolado num beijo de resposta.
O meu corpo sai, só, enfrentando o frio da madrugada invernal que me espera lá fora..
Mas eu fico ali, contigo...
Mais um beijo e parto,
enquanto te abraço nesse sítio onde a noite é só nossa...

para ti II

Agarra-me a mão , vamos?

Damos voltas por sítios onde ninguém parece passar

Onde tempo corre e nós não damos por ele.

Leva-me contigo, e deixa-me estar.

Abraça-me ao luar, ao por ou ao nascer do sol.

Deixa-me estar !, onde quer que estejas.

Preciso da tua atenção, preciso da tua mão!

Guia-me, faz-me festas, põe a mão no meu cabelo.

Fica à minha espera, fica para sempre.

Eu espero por ti

Prometo-te isso.

Tens todo o tempo do mundo, eu vou estar sempre aqui

Pronto para te dar a mão, um abraço ou um beijo. Posso?

Diz-me que posso, e mergulha comigo numa alegria indizível.

Onde o medo não existe, onde as metas não existem

Onde a única coisa que existe é o brilho do nosso olhar.


Luís Bessa Monteiro

para ti I

Quero saber o que fazes agora

Quero saber com quem estás.

Quero mas não quero

Não me quero (des)iludir,

Não te vou deixar sair da minha mente,

Vou ficar para sempre com a tua cabeça no meu ombro

Vou ficar para sempre a tocar nos teus cabelos,

Como naquela noite em q sonhei contigo, lembras-te?

Claro q não, não te disse. E tu, já sonhaste comigo?

Sonha, uma vez que seja e diz-me.

Sossurra-me ao ouvido, dá-me a mão.

Assim partiremos para onde tu quiseres.



Luís Bessa Monteiro

sexta-feira, novembro 11, 2005

A Marquesa (desculpe Tia..)

Ouviu-se uma campainha antiga num prédio de um bairro bem da velha Lisboa.
A porta abriu com uma leveza inesperada, perseguida por um convidativo ranger de dobradiças..
- Entra filho, entra!
No hall, um espelho ancião olhou-me com os meus olhos. Era sério e privado este hall, um espaço por onde desfilou o mundo, sempre acolhido pelo espelho inquiridor.
Os meus passos, guiados pela Marquesa, levaram-me através da grande e imponente sala, até uma pequena divisão, acolhedora e habitada.
O papel de parede, amarelado pelos anos sucessivos de maços ali esgotados, estava manchado de várias faces austeras e altivas, ausentes num mundo diferente do nosso, que me fitam do alto da sua nobreza de sangue.
A Marquesa senta-se, num antigo maple, já moldado ao seu frágil corpo pelos dias sucessivos fechada em casa…
- Sabes filho, a idade prende-me, e já poucos querem levar a velhota a passear…
Solta uma risada na sua voz gasta, e o vestido muito composto, atenuando-lhe a pele alva e enrugada, disfarçando os anos que a arrastaram na sua corrente.
Aquela casa, outrora ilustre sala de visitas da sociedade da capital, é agora um resquício empoeirado, que deixa adivinhar nas curvas indolentes dos reposteiros o brilho de outra época, de um mundo com uma ordem fixa, onde cada coisa tinha o seu tempo e o seu lugar, sem pressas, simplesmente sendo.
Dei-lhe o meu presente, um ramo de flores, nu, sobriamente arranjado, que condizia com a sala, como convinha a uma casa daquelas.
Não era nada de especial, mas a Marquesa (tia Matilde como fazia questão que lhe chamássemos..) ficou inesperadamente tocada. Tinha sido o único a lembrar-se do seu aniversário!
Vacilei perante a importância que adquiri naquela vida, por ser, não mais do que eu!
Lanchamos à antiga, com torradas, scones, compota, bolinhos de gengibre, leite, chá e tudo!
Trouxe o Mundo àquele lugar parado no tempo.
Depois, uma despedida em que a Tia me tomou as mãos e, com olhar comovido, encarou-me e soprou 1 obrigado arrastado pela emoção.
A gratidão profunda nos seus olhos contagiou-me as lágrimas, eles eram límpidos e sinceros como poucos..
De novo o espelho ancião, que me fitou, desta vez, comovido;
de novo o ranger da porta seguido por um clang que me trancou, desta vez, num corredor escuro e frio. Desta vez não haveria nem campainha, nem torradas, nem compota, nem scones quentinhos a fazer esquecer os rigores de Inverno. Desta vez havia um calor diferente, calor de humanidade dada.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Na última gota de água

Um vazio percorre-me a alma,
enquanto o desespero se concentra
na última gota de água.

O quotidiano, domina-me...
procuro em cada espaço a conjunção para a vida.

Projecto planos no inquestionável,
semeando na terra (árida)
os frutos que não chego a colher.

Resta-me contemplar;
num súbito recomeço infinito,
a formosa linha verde
que delimita a quietude da cordilheira.


Luís Bessa Monteiro

quarta-feira, setembro 21, 2005

Melancolia

Porque de súbito,
ao romper da aurora
vejo lírios derramados pelo chão,
as magnólias quebradas, os malmequeres sem vida;
uma mãe com o filho ( morto ) no seu regaço

Sinto neste quadro um apelo...
Porque urge entregar-me aos outros,
partilhar a mesa e o pão
num eterno momento de inquietude e melancolia



Luís Bessa Monteiro

sexta-feira, setembro 16, 2005

Peregrino

Gosto de me sentir peregrino
caminhar longos dias
com a casa às costas.

Amo os que caminham comigo
me apoiam e me ajudam
a suportar a dor

Porque um verdadeiro peregrino
é aquele que no dia-a-dia
foge da rotina;
espanta a sociedade
presa por vaidades superfluas e sentimentos efémeros
e se refugia em si,
procurando encontrar um espaço habitável nos outros

Porque um verdadeiro peregrino
desprende-se de tudo aquilo que lhe é dado
e agarra-se ao que é ganho
em cada passo, em cada dia

Porque um verdadeiro peregrino
procura em Deus a força e a luz
para a incessante busca do mais íntimo recanto
que habita Nele.



Luís Bessa Monteiro

sexta-feira, setembro 02, 2005

Hoje sinto que morro,
em cada dia que passa...

Rejuvenesço nas ligações umbilicais
de amor fraterno.
Pois é como se em cada dia,
espreitassem novos laços... pela saudade de um abraço.


Luís Bessa Monteiro

sexta-feira, julho 22, 2005

Depois da Peregrinação

Existem dias
em que a saudade nos destrói
através da alegria manifestada
pelas pessoas que amamos.



Luís Bessa Monteiro

Porto, 29 de Setembro 2004

Manhã

Manhã

Tive um furo e aproveitei para ir a casa.
Quando cheguei “ela” ainda estava a dormir, o ar era espesso e quente como é próprio da manhã antes de uma casa acordar.
Na sala com as persianas corridas, avancei tacteando e abri-as.
No lento e monótono barulho do motor iam-se revelando os vestígios do dia anterior,
Uma arca fora do sítio,
A mesa com a toalha ainda posta e os guardanapos desarrumados por cima, livros de estudo...Tudo estava calmo e numa sonolência de quem está acordado mas ainda na cama.
Continuei a invadir a intimidade de um sítio onde ainda era noite e penetrei por este ambiente denso e entorpecido qual nuvem de incenso, que me abraçava e convidava ao sono, até chegar à cozinha.
Aqui era evidente que algo acontecera há pouco.
Taças e canecas sujas de leite e chocolate, os flocos e o mel em cima da mesa, como se tudo tivesse sido abandonado à pressa na iminência do grande perigo de não cumprir um horário.
O gato arranhou a mesa onde escrevo para chamar a atenção. Quer festas o malandro, e já sabe que lhas dou.
No corredor via-se a luz do dia que deixava adivinhar os quartos com camas por fazer, pijamas por dobrar, sinais de vida, que por aqui passou há umas horas e que voltará em breve, para fazer viver a casa que ainda desperta da noite que a tomou.

João Gonçalo Moreira Pires13/04/2005

Novo Colaborador

Nesta data e após a fundação deste blog, foi admitido um novo colaborador, de seu nome Luís Bessa Monteiro, de pseudónimo Shaggy, Poeta, que aqui passará a publicar.

Fundação.

Nesta primeira publicação,datada dedia 22 de julho do corrente ano de 2005 pretende-se estabelecer as linhas gerais de tudo o que aqui for escrito.
Contando este blog, "Pensados, ditos e escritos", no acto da sua instituição, com um fundador e colaborador, de seu nome João Gonçalo Ribeiro Rosa Moreira Pires, de pseudónimo Pirata, não sendo excluída a hipótese de virem a ser admitidos, no futuro e em caso de acordo mútuo, novos colaboradores.
Este blog pretende divulgar a todos os interessados texto literário produzido pelo(s) seus contribuidores, para lazer de todos os leitores.
Assim foi o acto de fundação deste blog, sedo desse acto lavrada esta acta, pelo fundador o blog.

João Gonçalo Ribeiro Rosa Moreira Pires

Miraflores, 22 de Julho de 2005